Pesquisar este blog

domingo, 13 de junho de 2010

ARTIGOS

A gestão estratégica de custos e a sua interface com a contabilidade gerencial e a teoria da contabilidade: uma análise sucinta

Tem sido inegável o sucesso, na esfera gerencial, dos conceitos e técnicas de gestão estratégica de custos. Isso tem chamado a atenção para a contrapartida que a Contabilidade forçosamente precisa dar, para não ficar atrás dos avanços ocorridos nas empresas na área de qualidade total, na busca pela competitividade e maior eficácia nos negócios.

Autores tradicionalistas têm se insurgido contra os progressos e aperfeiçoamentos de conceitos, técnicas e métodos como os do Life-Cycle Costing, Target Costing, ABC Costing, etc., sob as premissas mais variadas, algumas com certa dose de razão, alguma que não a de ser “do contra”,
simplesmente, mormente se “as novidades” são originárias, direta ou indiretamente, de autores Norte Americanos, uma verdadeira fobia de que alguns contadores são portadores.

O mais interessante é que as empresas de ponta, embora com cuidados, estão, cada vez mais, adotando tais procedimentos porque, reconhecidamente, melhoram a qualidade dos indicadores contábeis, dando condições para diminuir custos desnecessários (que não agregam valor), aumentando os lucros. Felizmente, as empresas e entidades progressistas, aparentemente, não perdem tempo atrás de discussões acadêmicas, pelo menos aquelas que não têm compromisso com o progresso da disciplina e da profissão.

Feitas estas premissas, é interessante, todavia, enquadrar o que se denomina de Gestão Estratégica de Custos num arcabouço mais amplo, qual seja:
a) O Sistema de Informação Gerencial (o denominado EIS - em linguagem de sistema - “Enterprise Information System”);
b) Conceitualmente, explorar alguns conteúdos teóricos mais aprofundados.
O Sistema de Informação Gerencial, com sua seqüência mais importante que poder-se-ia denominar de Sistema de Decisão Gerencial (o EDS - “Enterprise Decision System”) é, evidentemente, um terreno mais amplo, fértil de per si, em que o sistema de Gestão Estratégica de Custos não apenas se agasalha, como serve de fertilizante para o EIS.

As medidas e indicadores de resultado são mais globalizantes e, no final, mais importantes do que, meramente, as medidas de custo, por mais modernas que estas possam ser. Resultado em termos de uma concepção mais atualizada de avaliação, é um conceito (e posteriormente uma mensuração) muito mais amplo do que um lucro contábil (sem diminuir a importância desse), para englobar os mais variados indicadores de “performance” da entidade, conforme Kaplan já havia prognosticado, às vezes em forma de quocientes, relacionando não apenas valores financeiros no numerador e denominador, mas também financeiros com físicos e físicos com físicos (os verdadeiros
quocientes de produtividade).

Uma concepção tão ampla de Painel de Indicadores Gerenciais (como sempre gostei de fazer analogia entre o EIS e o Painel de indicadores e instrumentos de um grande avião), vai muito além do restrito, embora importante, quadro de indicadores de custo, obviamente.

Dos EIS mais integrados que se tem conhecimento no mercado (como o Triton da BAN), depreende-se a importância que, os que desenvolveram o sistema, atribuíram aos indicadores de desempenho, das mais variadas funções.
Fornecer a possibilidade de mensuração de “n” indicadores, todavia, não é suficiente: é preciso inserir uma comparação entre nível desejado (orçado) para tais indicadores e os efetivamente obtidos, bem como inserir no sistema uma central de alarme toda vez que o nível de um indicador importante estiver fora, sensivelmente, dos parâmetros desejados.

Esse sistema integrado citado (e outros) deixa bem claro sua globalidade, em que o custo é apenas uma parcela do todo, muito mais amplo. É evidente que, num ambiente competitivo, em que o preço é dado pelo mercado ( não mais podendo-se dar ao luxo de adicionar uma margem de lucro sobre qualquer custo que tivesse sido incorrido), o fator custo ( o “target cost”) ganha um realce extra, no sentido de que a lucratividade e a própria continuidade do empreendimento, estão muito condicionados à eliminação ou pelo menos redução dos custos que não adicionam valor.

É por isso que tais conceitos e técnicas foram “promovidos” ao nível estratégico, pois têm a ver com a própria continuidade do empreendimento, quando até pouco tempo atrás, custo era, no Brasil, aquele valor a que se chegava, independentemente dos desperdícios e ineficiências, e sobre o qual se “jogava” uma margem de lucro. Depois, era só comparecer perante o CIP (Conselho Interministerial de Preços) e tentar “justificar” os custos, perante economistas, alguns dos quais nada entendiam (e, o que é pior, estavam convencidos de que entendiam) de custos contábeis.

Mas, apesar de toda esta relevância da GEC ( Gestão Estratégica de Custos), é inegável que uma visão mais ampla do sistema de Informação Gerencial Global da empresa é importante. A própria definição de lucro estaria em jogo, devendo ser ampliada para um conceito econômico, como propõem os defensores do GECON, um sistema conceitual e de apuração mais amplo, desenvolvido por professores da FEA/USP.
Deseja-se, por outro lado, fazer algum tipo de aprofundamento sobre alguns aspectos conceituais da GEC, principalmente face à boa doutrina contábil.Em primeiro lugar, é importante deixar bem claro que, o que mais importa, na realidade, é a qualidade da prática contábil. A doutrina tem sua grande importância, é bem verdade, quando ajuda a entender melhor e a explicar a prática, eventualmente quando consegue projetar estruturas conceituais que se antecipam à prática (mas que devem ser validadas pelos experimentos reais).

Uma boa teoria também é importante (conforme assinalei no artigo “O Verdadeiro Significado de Uma Teoria Contábil”, in RBC, no. 96), quando ajuda a predizer eventos (melhor dizendo resultantes) futuros, dados certos insumo informacionais. Assim, o Custeamento Baseado em Atividades apresenta inegáveis vantagens sobre os critérios mais tradicionais, pois chama a atenção para os “direcionadores” de custos, bem como consegue atribuir os custos indiretos aos produtos de forma a espelhar a utilização de capacidade por parte dos produtos de maneira muito melhor do que o tradicional rateio de custos indiretos calculados numa base de volume de atividade único, mesmo que utilizando várias taxas departamentais. (Para um exemplo bem simples, reportem-se ao último capítulo de nosso livro “Contabilidade Gerencial”, em sua última edição.

Apesar de todas as vantagens, ainda assim, o “ABC costing” não deixa de ser um custeio por absorção, com algumas das desvantagens gerenciais, para tomada de decisões de curto prazo, que tal tipo de custeio apresenta. Não pode ser utilizado, principalmente em decisões do tipo fabricar x adquirir, no cálculo de configurações gerenciais que necessitem de um conceito simples de
margem de contribuição etc. Entretanto, se se analisar a problemática sob o ponto de vista de uma teoria contábil visando principalmente o usuário externo à empresa, nunca esta teoria privilegiou custeamento direto para avaliação de ativos. Ao contrário, ativos baseados em custeio de absorção têm, via de regra, muito mais precisão como estimadores da verdadeira potencialidade econômica do ativo do que sua representação apenas pelos custos variáveis.
Um estoque não vale apenas seu custo variável (da mesma forma que não vale seu custo total mais a margem de lucro, a não ser quando efetivamente vendido).
Nesse aspecto quem poderia invalidar teoricamente o ABC se, além de ser um custeio integral, ainda é muito melhor do que o tradicional? Resumindo, seria interessante fazer as seguintes considerações:

- Uma visão ampla do Sistema de Informação Gerencial é essencial para extrairmos todas as potencialidades do painel de indicadores contábeis, dos quais os de custo são apenas uma parte, importante embora;
- pouco adianta afirmar que nem tudo do que se apregoa como “novos” conceitos e técnicas de custeio não é tão novo assim, pois algumas empresas de ponta já praticavam tais técnicas e procedimentos, embrionariamente, em priscas eras. O fato é que os procedimentos se aperfeiçoaram e são uma necessidade imperiosa dos tempos atuais, cada vez mais de busca por
uma maior produtividade e eficiência;
- Sob o ponto de vista puramente conceitual, embora o “ABC costing” não seja o melhorconceito para todas e quaisquer aplicações gerenciais, decisivamente é um conceito que se enquadra nas mais atualizadas definições de Ativo, no que se refere a estoques.

Para finalizar, é necessário analisar com muito cuidado toda e qualquer onda de métodos de custeio, a fim de se evitarem os extremos: a crítica feroz e infundada e do lado oposto, a mera adesão por modismo.


Dr. Sérgio de Iudicibus
Departamento de Contabilidade e Atuária
Universidade de São Paulo
Brasil

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Comente esse artigo